sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

14/01 Terceiro dia



Acordamos para sair as 8:00. Dessa vez, comemos em casa com a companhia de Agustinho. Frase do dia: "sou caseiro, gosto muito de engomar", o que significa que ele gosta de passar roupa. Na saida para Maputo, vi denovo as mesmas coisas, pois passamos pelos mesmos lugares. Nao sei ao certo o porque, prestei mais atencao nos detalhes e o impacto foi maior que antes. Comecando pelo lixao, um espaco gigantesco que se aproxima ao tamanho de um aeroporto incluindo pista. Eh um lugar imenso cheio de muito lixo e pessoas perambulando por ali, procurando algo que possa ser aproveitado. Isso eh o que imagino, pois pelo tamanho do local nao da prah ver os detalhes e o que elas estao fazendo de fato. Sao dezenas e dezenas delas espalhadas por toda a imensidao do lugar. Havia aves, que nao pareceram urubus, sobrevoando a area, mas muito provavelmente tambem estavam procurando por restos de comida. Nao eh um local por onde se passa despercebido, a regiao chama atencao por si. Foi um dos lugares onde passamos em frente e todos dentro do carro comentaram algo sobre.
As ruas da regiao onde alojamos sao uma mescla de areia e asfalto ruim, ora areia ora asfalto esburacado. Quando asfaltadas, as ruas nao possuem calcadas, o proprio asfalto delimita a rua, separando-a da areia. Muito raramente, vemos calcadas cimentadas. O fato de ser areia nao impede que os mocambicanos usem desse espaco para comercializar uma variedade de produtos, que vai desde verduras ateh escapamento de carro. Nao eh uma barraquinha aqui e outra ali, ha barraquinhas por toda extensao das ruas. Em alguns pontos, as barracas sao dispensadas e os produtos sao expostos no proprio chao. Os sapatos sao um exemplo, sao fileiras de sapatos a luz do sol. Os escapamentos ficam dispostos em ferros fincados na terra, os escapes encaixam em protuberancias, parecendo uma arvore, onde o ferro principal eh o tronco e os escapamentos sao os galhos. A barraca campea foi a "cabine telefonica" que na verdade eh um guarda-sol com uma mesa embaixo, uma cadeira onde senta uma pessoa de frente pra rua que por certo eh a "telefonista" e uma cadeira de costas para rua onde o cliente pode se sentar e fazer a ligacao desejada no meio de toda confusao do transito. Ha tambem muita gente caminhando e outras embarcando e desembarcando nas "chapas" (carros que usam suas carrocerias pra transportar gente).
No centro, o cenario muda. A sujeira permanece, tem muito lixo nas calcadas. No entanto, a maioria das ruas sao asfaltadas, Existem predios antigos, mas predios. Os vendedores ambulantes estao mais espalhados e se concentram nos semaforos. Na orla, ha mansoes. Casas grandes, modernas, chamativas, com segurancas e cameras. Quase todas com 3 pavimentos que acompanham o relevo inclinado da costa, tendo, portanto, acesso por duas ruas: uma beira mar e a outra na parte mais alta do terreno.

Tiramos esse dia para turismo, conhecermos um pouco sobre o local onde estamos atuando. Comecamos por uma feira de artesanato. Muitos panos pintados a mao, esculturas de animais e pessoas, pratos, bijuterias e roupas. Muita cor e coisas muito bem feitas. Apesar do preco em meticais assustar, ao converter a quantia para reais tudo vale a pena. Da vontade de comprar muita coisa! Mas melhor que compra-las eh negocia-las. O grupo de mulungos (nome pelo qual eles chamam os brancos) atrai a atencao dos vendedores. Se voce pergunta o preco de algum objeto deve tambem estar disposto a insistencia: "quanto voce quer pagar, amigo brasileiro?", "ah, amigo! Por favor, valorize o artista.", "amiga, compra pra me ajudar." Te seguem mesmo se voce disser que nao quer o produto e continuam a negociar, ateh mesmo quando se chega em outra barraca e comeca a olhar outra coisa que nao tenha qualquer ligacao com a que te ofereceram. Se te pedirem 500 meticais, oferte 250 e acabe levando por 350. Voltamos para a van que estava no mesmo local onde havia nos deixado, apenas uma diferenca: estavamos acompanhados por varios vendedores que trouxeram consigo objetos na ultima tentativa de vende-los. Desviando de um e outro, conseguimos entrar no carro, mas nao acabou por ai. Mesmo de portas fechadas, eles tentavam nos persuadir a comprar. Mostravam o valor do produto com os dedos e de dentro a gente mostrava o valor da contra-oferta atraves do celular. Uma de nós, fez tres ofertas assim e as tres foram recusadas, ate que o carro comecou a andar e o vendedor nos acompanhou correndo por alguns metros aceitando a ultima oferta.

Mais uma vez no carro, fizemos contas e percebemos que o que eles vendiam para nós, valia ainda mais a pena que pensavamos. Quase todo mundo ficou arrependido por nao ter comprado mais. Pra evitar confusao e facilitar futuras pechinchas fizemos uma colinha na mao, ex.: x meticais equivalem a y reais, w meticais equivalem a z reais. Paramos no Museu de historia natural que eh pequeno mas bem elegante, tem animais empalhados e uma lojinha com souvenirs. Todavia ninguem parou pra observar isso, todo mundo aproveitou a internet wifi pra postar fotos e deixar recados e emails.
O almoco foi especial porque a cacula da turma faz 21 anos!!! Entao, escolhemos um restaurante na orla. Cantamos parabens e comemos muito bem: camarao! Precisei de um adaptador pra carregar meu computador, o garcom (negro) pediu pra que eu falasse com o dono (branco). No restaurante, a proporcao entre negros e brancos tende a se igualar, 1:1. Algo que acontece tambem no shopping. Saindo dali, passamos em frente a casa de Mandela, que nao se compara as mansoes da orla, mas eh grande, vistosa, simples e limpa.
Andamos, andamos e onde fomos parar?! Feira novamente! Claro que dessa vez tudo estava mais facil, pois todos usaram a colinha na mao que facilitou a negociacao. Alguns vendedores aprenderam nossos nomes. Um deles me disse "amiga, fala pra Natalia comprar de mim! Ela estah a olhar com outra pessoa, amiga!" O "estah a olhar" nao foi escrito assim por acaso, eh exatamente como eles falam, nunca dizem "estou fazendo algo" dizem "estou a fazer". Tambem nao conversam entre si em portugues durante as negociacoes, sempre em xangana. Sorrimos demais durante esse tempo e mais uma vez a van ficou rodeada de gente: "amigos brasileiros, vamos nos entender, falamos a mesma lingua!" Isso demonstra a avidez de vender e como eles conseguem ser carismaticos e insistentes ao mesmo tempo.

Chegando ao forte, coincidentemente havia outra feira bem de frente. Ficamos combinados de NAO parar la e nao comprar nada pra nao chamar a atencao dos vendedores. Na saida, um deles se aproximou de mim e comecou a me pedir um retrato. Ele me viu tirando algumas fotos das obras que fazia. "Ah, amiga! Me de uma foto com minhas artes! Has de me dar uma foto, amiga?" Falei que todas suas artes eram lindas o que o deixou satisfeito e fez mais questao ainda de me mostrar. Foi um episodio interessante ver o quanto uma foto faria diferenca pra ele, durante toda nossa conversa que foi gravada em video, ele me pede insistentemente uma foto e nao oferece em nenhum momento seus produtos, apenas os exibe na tentativa de me convencer a lhe dar a foto. Uma pena ele nao ter endereco pra que eu pudesse enviar. Como eu ja mencionei o transito eh muito intenso e eu nao poderei voltar para entregar, porque temos uma agenda cheia a ser cumprida. Ja na van, e ainda acompanhada por meu novo amigo mocambicano, notei a presenca de mais uns vinte deles. Andamos uns 100 metros juntos, fiquei tao vidrada na conversa e nem percebi que mais uma vez estavamos sendo perseguidos por uma porcao de vendedores... e de novo, cercaram a van na tentativa de vender alguma coisa. Isso pode parecer ameacador, mas nao entenda assim! A cena no imaginario parece mesmo, porem, definitivamente nao eh. Povo mocambicano eh gente do bem! Perdi as contas de quantas vezes tirei meu celular da bolsa pra fazer contas e verificar o quanto estaria gastando em reais, quantas vezes tirei uma nota alta do bolso e esperei um troco 9 vezes maior que o valor que ficaria com o vendedor. Filmei diretamente o rosto do meu amigo mocambicano que quase implorava uma foto, mesmo estando ciente de que isso poderia ser perigoso. Andamos com cameras profissionais o tempo todo, sem medo de mira-las no rosto de alguem. Nenhum de nos foi roubado nas tres feiras.

Na volta para o alojamento, ainda no centro da cidade, onde as calcadas sao de cimento e existem semaforos, justamente em um deles, havia um vendedor oferecendo passaros em gaiolas. Bem exotico, nao?! Quando ja estavamos chegando no destino, pedi pra Agustinho passar bem devagar em frente ao lixao pra que eu pudesse tirar uma foto de melhor qualidade. Abri a janela e apontei a camera em direcao a entrada, antes mesmo de clicar fui interrompida pela janela que fechou no meu braco me assustando e a todos os outros que gritaram. Alguem fechou a janela repentinamente, quando um homem de um grupo de seis outros atirou uma garrafa de vidro em nossa direcao. Mais impressionante que esse episodio foi a forma como nosso motoristo lidou com ele. Ele nao saiu acelerando, pelo contrario, parou o carro e abaixou o vidro enquanto todos os sete vieram parar na janela dele. Comecaram a conversar em shangana, o que nos deixou ansiosos por saber o que falavam. Alguns dentro da van diziam "acelera, Agustinho", "Vambora!" A partir dai, ele disse aos homens em portugues, passando uma tremenda confianca: "Tudo bem! Eh que voces deixaram o pessoal aqui assustado, mas tudo bem. Iremos buscar as filmadoras e voltamos mais tarde pra filmar." E saimos dali devagar como se tivessemos feito as pazes e fossemos voltar de fato. Com o carro em movimento, Agustinho disse que o homem que lancou o vidro eh o "dono do lixao" assim como temos os "donos das favelas" no Brasil. Entao, quando alguem deseja tirar foto ou filmar precisa pedir autorizacao a ele ou pagar uma gorjeta pra ter acesso ao que existe la dentro. A atitude de Agustinho pareceu a de quem pretende proteger a imagem do outro, ele queria nos deixar seguros e ao mesmo tempo mostrar que aquelas pessoas nao apresentavam perigo.


Ja na casa, outra surpresa: a falta de energia. Pra aproveitar os ultimos raios do sol, partimos pra comunidade! Compramos velas de uma mulher que estava vendendo em uma barraquinha. Esperamos um bom tempo pra irem trocar o dinheiro, e quando o troco chegou, devolvemos para ela. Ganhamos um grito de alegria e um sorriso largo. Distribuimos baloes pra criancada. De repente, varias e varias delas nos seguiam, pulavam e ate dancavam. A nossa aquisicao foi uma boa porque em casa ficamos sem luz durante um bom tempo, ate todo mundo tomar banho, o que mais precisamente demora umas 3 horas. Ceamos e Jantamos macarrao a luz de velas. Foi um momento de muita comunhao entre o grupo e entrega do nosso projeto para Deus.