sábado, 19 de junho de 2010

Uma visita domiciliar

Temos uma disciplina que se chama PIESF - Programa de Integração na Estratégia Saúde da Família, onde somos inseridos na saúde pública do Brasil. A maioria dos encontros acontece em uma Unidade Básica de Saúde, mais conhecido como "postinho" onde conhecemos todos os profissionais que compõem a equipe multiprofissional e seus respectivos papéis. Além de conhecermos a estrutura e área de abrangência dessa UBS, o nº de familias cadastradas, as principais doenças e problemas encarados pela população,fazemos visitas junto aos agentes de saúde para conversarmos com a comunidade e observar de perto (dentro de suas casas) o que ocorre de fato ali.
No dia 23/09/09 eu, 2 colegas e a agente de saúde P. fizemos uma visita domiciliar interessante, mas não atípica. A agente P. nos levou até a casa de D. I. Fomos até la a pé assim como fazem os agentes todos os dias no sol quente, por isso, eles sempre estão com sombrinha para se protegerem do sol escaldante. Essa visita, por exemplo, foi feita por volta das 14:40!
Pra ficar mais claro: Quem é o agente comunitário?
È alguém que se destaca na comunidade, pela capacidade de se comunicar com as pessoas, pela liderança natural que exerce. O Agente Comunitário de Saúde funciona como elo entre a comunidade. Está em contato permanente com as famílias, o que facilita o trabalho de vigilância e promoção da saúde, realizado por toda a equipe. É também um elo cultural, que dá mais força ao trabalho educativo, ao unir dois universos culturais distintos: o do saber científico e o do saber popular.
O seu trabalho é feito nos domicílios de sua área de abrangência. As atribuições específicas do ACS são as seguintes:
- Realizar mapeamento de sua área;
- Cadastrar as famílias e atualizar permanentemente esse cadastro;
- Identificar indivíduos e famílias expostos a situações de risco;
- Identificar área de risco;
- Orientar as famílias para utilização adequada dos serviços de saúde, encaminhando-as e até agendando consultas, exames e atendimento odontólogico, quando necessário;
- Realizar ações e atividades, no nível de suas competências, na áreas prioritárias da Atenção Básicas;
- Realizar, por meio da visita domiciliar, acompanhamento mensal de todas as famílias sob sua responsabilidade;
- Estar sempre bem informado, e informar aos demais membros da equipe, sobre a situação das família acompanhadas, particularmente aquelas em situações de risco;
- Desenvolver ações de educação e vigilância à saúde, com ênfase na promoção da saúde e na prevenção de doenças;
- Promover a educação e a mobilização comunitária, visando desenvolver ações coletivas de saneamento e melhoria do meio ambiente, entre outras;
- Traduzir para a Equipe Saúde da Família a dinâmica social da comunidade, suas necessidades, potencialidades e limites;
- Identificar parceiros e recursos existentes na comunidade que possa ser potencializados pela equipe.
Mesmo com todas essas atribuições, eles ganham menos que um salário mínimo. Pelo tempo que estamos juntos, percebi que apesar de não terem um conhecimento científico profundo, têm ótima relação com a comunidade, chama pelo nome cada pessoa que visitamos, conhece o problema enfrentado por cada uma delas, são capazes de mudar a conduta das pessoas e convece-las a tomar uma atitude diferente quando necessário e por isso, me tornei fã nº 1 deles. E acho que o ACS é uma das idéias mais brilhantes do SUS.
Continuando...
Chegamos a um casa com muro caído e quintal cheio de lixo e entulhos, inclusive tinha um carro muito velho sem pneus que parecia estar ali parado a anos. Pano velho, resto de comida, toco de cigarro, garrafas, latas foi oque vimos no quintal. P. nos apresentou a D. I, uma hipertensa, como acadêmicos de medicina. D. I tem 61 anos e aparenta ter 80 e estava pesando menos que 40 kg. Ela nos recebeu bem, apesar de não esconder uma tristeza profunda. Um de meus colegas aferiu a pressão dela, que era de 10x6 mmHg. Ela tem chagas, é uma mulher negra e viúva que criou seis filhos sozinha. P. comentou do aniversario da senhora no ultimo domingo, ela, portanto, reclamou que os filhos nem sequer deram os parabéns. "Eu não criei filhos que rouba e nem que mexe com droga, mas namora muito e arruma muitos netos." P. sugeriu que D. I fosse ao posto fazer uma consulta com o médico porque estava muito magra e abatida. "É melhor cuidar logo, antes que a senhora fique numa cama sem poder fazer nada" Apesar de ter 6 filhos e 25 netos D. I disse que se precisar de alguem para cuidar dela "vira bicho na cama" porque ninguem vai aparecer. P fez o papel de psicologa enquanto a pobre senhora desabafava, por vezes, foi até carinhosa através do tocar. Interagimos com D. I e tentamos reforçar o que dizia P. No final, D. I já estava bem mais animadinha e nos contou que a mãe de uma moça tinha aperecido na casa dela para reclamar que um de seus filhos tinha engravidado sua filha. " O que eu tenho a v com isso? Eu disse pra ela segurar a egua dela porque meus cavalo estão solto!" disse mais descontraída.
O que conseguimos com essa visita???
Uma consulta agendada na UBS Paraíso para uma senhora portadora de Chagas, uns sorrisos de alguem sem qualquer expectativa para o futuro, uma experiência que não viveríamos se não fosse dia 23/09/09.

3 comentários:

  1. Amorrr!! Que bom ver vc compartilhando tudo aquilo que vc está aprendendo na faculdade com todo mundo, literalmente!!! Eu acho incrivél o seu Amor pela medicina! Parabéns Amor!!!!
    Bjssss

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  2. É maravilhoso que você compartilhe com outras pessoas a arte que é a medicina. Continuem, você e seus colegas, a fazer a diferença por onde vocês passarem. Olhem sempre além dos "sinais e sintomas", verdadeiramente auscutem o coração das pessoas...
    Te amo.

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  3. Professor Carlos Lisboa - Médico e Coordenador do PIESF UniEVANGÉLICA26 de junho de 2010 às 10:45

    Camila,O blog é show!

    Parabéns. Peço-lhe que avance com a idéia.

    Procurarei colaborar. Um abraço.

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